Audiência de Custódia
Cannabis
Contexto legislativo no cenário brasileiro
É incontestável que, com o passar dos anos, o uso de medicamentos derivados de Cannabis Sativa, também conhecida como Maconha, teve significativo avanço.
Isso se deve pelo fato de os compostos contidos na Maconha, em especial o CBD (Canabidiol), revelaram-se uma excelente opção para o tratamento de doenças resistentes às terapias convencionais, tais como: Epilepsia, Autismo, Glaucoma, Câncer, Alzheimer, Parkinson, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, Esclerose Múltipla, além de diversas outras doenças crônicas.
Atualmente, a cannabis se encontra incluída pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no rol de substâncias entorpecentes/psicotrópicas proibidas para consumo e uso em medicamentos (Portaria nº 344 de 1998).
No ano de 2006, com o advento da Lei de Drogas, que teve como principal objetivo – em que pese mal atingido – distinguir a figura do traficante e do usuário a partir da quantidade de drogas.
Na prática, tal lei permitiu que qualquer pessoa que fosse encontrada com Maconha, ainda que não estivesse comercializando, fosse enquadrada enquanto traficante. Possuir plantas de Cannabis em sua residência era, como ainda é, tratado como um “atestado do tráfico”, visto que a Maconha ainda é classificada como droga ilícita.
Os avanços legislativos e médicos na matéria de estudo da Maconha permitiram o surgimento de novos remédios, produzidos a partir de óleos extraídos da planta. Apesar dos obstáculos encontrados na política brasileira, o primeiro avanço nesta temática ocorreu em 2014, momento em que o Conselho Federal de Medicina (CFM) editou a Resolução nº 2.113, a qual permitiu a prescrição de medicamentos à base de CBD para crianças e adolescentes portadores de epilepsias refratárias aos tratamentos convencionais.
No ano seguinte, o CFM apresentou novas Resolução (RDC nº 3 e 17), a primeira atualizou a listagem da portaria nº 344 e incluiu o Canabidiol no rol de substâncias sob controle especial. A segunda, permitiu a importação em caráter excepcional de produtos à base de CBD com outros Canabinoides.
As regras para produção e comercialização dos produtos derivados da Maconha somente foram editadas pelo CFM a partir do ano de 2019 com a RDC nº 327, conhecida como “Marco Regulatório da Cannabis no Brasil”.
Atualmente, fica sob responsabilidade do médico a decisão pela indicação do uso do Canabidiol e demais medicamentos à base de Cannabis nas apresentações autorizadas pela ANVISA.
Os produtos de Cannabis podem ser obtidos em farmácias ou drogarias, desde que sua movimentação comercial seja inserida no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados da ANVISA. Até dezembro de 2022 o Brasil conta com 23 medicamentos registrados pelo órgão, nove à base de extratos de Cannabis Sativa e quatorze de Canabidiol.
Apesar de nossa legislação excluir as farmácias de manipulação dos estabelecimentos autorizados a vender os produtos à base de Cannabis, existe discussão judicial com precedente favorável para descaracterizar tal restrição em razão de ainda não existir legislação federal específica sobre o tema.
Para a comercialização de produtos é necessário obter licença de Autorização Sanitária expedida pela ANVISA. Esta autorização permite a comercialização dos produtos no Brasil pelo prazo improrrogável de cinco anos, contados da data da publicação da Autorização no Diário Oficial da União.
Em breve síntese, os produtos farmacêuticos à base de Cannabis devem cumprir diversos requisitos legais, tais como, apresentação de dados clínicos sobre a segurança e eficácia dos medicamentos para a indicação pretendida e a certificação de boas práticas de fabricação, além de outros exigidos pelo órgão atinentes à própria prática da indústria farmacêutica.
Ressaltamos que a matéria ainda está sujeita a diversas alterações, em razão não só do avanço médico-tecnológico no cenário global, como também dos Projetos de Lei que atualmente tramitam nas casas legislativas com o intuito preencher as lacunas legislativas, visto que até o momento não há regulamentação federal para pacificar discussões sobre os temas controversos.
Nesse sentido, destacamos quatro principais Projetos de Lei que aguardam aprovação:
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PL nº 514/2017: que dispõe sobre o semeio, cultivo e colheita de Cannabis sativa para uso pessoal terapêutico;
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PL nº 5.158/2019: que dispõe sobre alteração legislativa para obrigar o SUS a fornecer à população medicamentos que contenham o CDB como único princípio ativo;
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PL nº 4.776/2019: que dispõe sobre o uso da planta para fins medicinais e sobre a produção, controle, fiscalização, prescrição, dispensação e importação de medicamentos à base de Cannabis, seus derivados e análogos sintéticos; e
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PL nº 5.295/2019: que submete ao regime de vigilância sanitária a produção, a distribuição, o transporte, a comercialização e a dispensação de Cannabis medicinal e dos produtos e medicamentos derivados. Além disso, determina a regulamentação da produção da Cannabis medicinal e do cultivo do cânhamo industrial.
Releva informar, ainda, que, estas lacunas normativas ensejaram importantes decisões no cenário judicial brasileiro.
Dentre elas destacamos:
(i) entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitindo o cultivo domiciliar de Cannabis, após prévia autorização judicial, desde que o cultivo tenha como fins o uso medicinal e próprio da planta e atenda os limites da prescrição médica;
(ii) entendimento pacificado pelo STJ e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que a importação de sementes de Cannabis não configura crime tipificado pela Lei de Drogas;
(iii) decisões proferidas pelo STJ e pelo TJDFT que determinam os planos de saúde custearem medicamentos à base de Canabidiol aos seus beneficiários. Ressalta-se, em relação ao último Tribunal, que existem precedentes que reconhecem, inclusive, o dever do Estado de tomar as providências necessárias à proteção da saúde do menor, devendo fornecer o medicamento pleiteado.
Caso tenha interesse em se informar melhor sobre os procedimentos de autorização para importação, cultivo ou comercialização destes medicamentos, aconselhamos buscar atendimento jurídico especializado.